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La insignia
6 de dezembro de 2006


Brasil

A glória e o recomeço


Maria Helena Zamora (*)
La Insignia. Brasil, dezembro de 2006.


Durante cinco anos Glória Reis tem publicado o jornal Recomeço impresso e em site na internet. Foram 128 edições, com cerca de 900 matérias voltadas para a defesa dos direitos humanos, em especial sobre a questão carcerária, contando com a produção dos presos, que podem falar um pouco de si. Nunca nos vimos, mas a pouco mais de um ano Glória faz parte da minha vida, pois sinto que minhas preocupações ocupam outro alguém. A pouco mais de um ano acompanho a luta desta mulher corajosa e sempre me sinto afetada por sua sinceridade, coerência e honestidade.

Agora venho a saber que, em função do editorial da edição 117, o juiz da comarca de Leopoldina a acusa de difamação por ter escrito: "Não é aceitável a conivência de magistrados, fiscais da lei, advogados, enfim, operadores do Direito, com tamanha barbárie. O regime atual é um desrespeito à Constituição, à lei, aos cidadãos deste país, enfim, à nossa inteligência".

Lembrei dos meus mestres e referências no estudo e no trabalho. São juristas, professores doutores e famosos no Brasil e no mundo por seu conhecimento e erudição. Loïc Wacquant diz que "nas últimas décadas as elites políticas brasileiras têm usado o estado penal - polícia, tribunais e sistema judiciário - como o único instrumento não só de controle da criminalidade como de distribuição de renda e fim da pobreza urbana". E mais adiante: "Os tribunais agem sabidamente com preconceito de classe e raça". Nilo Batista, fazendo severas críticas à atuação da justiça e às condições do sistema penitenciário brasileiro, também descreve a política criminal de drogas no Brasil como uma "política criminal com derramamento de sangue". Já Salo de Carvalho critica historicamente "a legislação penal de drogas com seus dispositivos vagos e indeterminados e o uso abusivo de normas penais em branco", que "acabaram por legitimar sistemas de total violação das garantias individuais". O grande Roberto Lyra, afirmou que [em teoria] "a prisão visa a prevenir e a reprimir crimes. Ora, a prisão é causa de crimes". E também que "o Direito penal, já desnecessário, passará a constituir modalidade de justiça social, no futuro. Nem o nome será aproveitado. Quando a sociedade distribuir, na exata medida das necessidades, as crescentes conquistas da ciência, da arte, da técnica, estará esgotada a missão do Direito penal. A lei, na genuína sociedade democrática (sem classes ou castas) só cogitará do essencial e fundamental para todos". Espero também que esse Direito punitivo não venha a durar mais do que já durou...

Lembrei então de Evandro Lins e Silva, que critica, como também o fez Gloria, a barbárie do sistema penal, dizendo, por exemplo, que "a prisão no Brasil é uma infâmia muito grande. Pela superpopulação, pela promiscuidade, pela desumanidade" e taxativamente se posicionando, diz: "Sou absolutamente contra a prisão como método penal". Ou seja, para todos eles, o sistema penal, faz parte dessa enorme máquina de excluir gente, o atual "globo da morte", como diz Vera Malaguti Batista, essa, uma historiadora renomada.

Voltei-me então aos ensinamentos de Michel Foucault, Cecília Coimbra, Marildo Menegat, Raul Zaffaronni, Jock Young, Zigmunt Bauman, Ignácio Cano, Louk Hulsman. Lembrei dos muitos dos relatórios da Anistia Internacional, da Human Rights, do Grupo Tortura Nunca Mais, do recente relatório da ONU, feitos por companheiros corajosos daqui e do exterior, que acusam claramente uma certa Justiça brasileira, omissa até para seguir suas próprias leis e seletiva para prender negros e pobres; uma Justiça de simulacro, conivente com a tortura dos presos e com a crueldade.

Enfim, são tantos, tantos que disseram tanto, tanto mais do que Gloria disse! Haverá lugar para todos eles na cadeia de Leopoldina, Senhor Juiz? Porque antes que pareça que eu me escondo atrás dos doutores, quero declarar que concordo completamente com as palavras de Glória Reis, no editorial 117. Faço das palavras dela as minhas palavras, como a luta dela é a minha luta.

Fale mais, companheira Glória, fale sempre. Recomece, mostrando o caminho, apesar da barbárie.


(*) Maria Helena Zamora é professora doutora da PUC-Rio. Departamento de Psicologia.



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