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La insignia
13 de dezembro de 2006


A mesa de jantar


Ivy Judensnaider (*)
La Insignia. Brasil, dezembro de 2006.


O caminhão quase estava totalmente carregado, os móveis amarrados, as trouxas presas por fortes e grossos cordões, quando o pai percebeu o que acontecia. Berrando, ele se dirigiu, não aos homens que transportavam a carga para dentro do veículo, mas aos filhos que observavam a retirada dos objetos de dentro da casa.

- O que vocês estão fazendo com a minha mesa de jantar?

Os filhos se entreolharam. Bem que haviam tentado enganar o homem, aproveitar a bagunça da mudança e se livrar do pesado móvel de jacarandá envernizado. Naquele instante, o pai encarava os filhos, a mágoa estampada no rosto, a indisfarçável amargura. Estavam tentando tapeá-lo? Não haviam prometido que a mesa de jantar receberia um tratamento especial? Com que objetivo, então, com que descaso, como então podiam os filhos agir dessa forma, sub-repticiamente, como se fossem ladrões na calada da noite?

Ao zelador que acompanhava a mudança, orientando o uso dos elevadores e da garagem, o pai contou a estória da mesa, da belíssima mesa de jacarandá, do marceneiro italiano, um sujeito que aprendera o ofício com um importante artesão europeu. A madeira cortada manualmente, lixada com carinho, os desenhos dos detalhes, o cheiro do verniz importado. Além disso, Cacilda servira as refeições, todos os dias, durante cinco maravilhosos anos, ali, àquela mesa. Cacilda, com as ancas redondas e fartas, o sorriso no rosto, o jeito servil. Como então os filhos ousavam jogar a mesa no caminhão? Não bastavam os armários esvaziados, os tapetes dados de presente ao açougueiro, as roupas distribuídas em orfanatos, os pratos da cozinha entregues para a escola da Igreja? Nada disso o incomodava, os filhos que tivessem certeza, mas ele jamais admitiria que a mesa de jantar, a belíssima mesa de jacarandá, fosse deixada daquele jeito, apenas mais um volume no caminhão de mudança.

O filho mais velho irritou-se. O pai parecia irredutível, e os homens do caminhão aguardavam alguma decisão, todos de pé na boléia do veículo, movimentos interrompidos à espera de uma ordem.

- Retira a mesa daí! - ele então gritou, para alegria do pai e espanto da irmã.

Os homens do caminhão afrouxaram os nós que seguravam o móvel e iniciaram a remoção da mesa de jacarandá. A irmã, espantada, colocou os braços na cintura. O que fariam com aquele monstrengo de jacarandá envernizado? O pai que entendesse. Na casa dela não havia espaço, apenas uma salinha acanhada. O irmão pretendia levar a peça para sua própria residência? Não haviam combinado todos a ida do pai para o asilo e o desmanche da casa? E agora? Como resolver?

O irmão sentou-se na calçada defronte ao prédio e acendeu um cigarro. Os homens da mudança pararam de trabalhar, ajeitando-se todos na boléia do caminhão. O zelador usou o interfone para avisar os moradores que os elevadores ainda não estavam liberados, o mundo que esperasse. Ao avistar o pai agarrado à mesa, feliz e o rosto iluminado, a filha começou a chorar baixinho. E agora?

O irmão acabou acertando outra viagem com os homens do caminhão. Eles que levassem a mudança para os lugares combinados e, depois, a mesa de jacarandá para o asilo onde o pai moraria dali para frente. Lá no asilo algum milagre aconteceria, o impasse seria resolvido, e que a mudança fosse feita logo, por que o corretor aguardava a entrega das chaves do apartamento e ele desejava encontrar a amante no final da tarde.

A mesa foi colocada em outra caminhonete e o pai sentou-se numa das cadeiras amarradas às grades do veículo. Recordou o momento em que a mesa entrara na vida da família, a felicidade dos filhos ainda crianças com o móvel imponente que se ajeitava no centro da sala, o orgulho da mulher com o brilho do verniz. Vigiaria o transporte, estava decidido; a casa que se danasse, os outros móveis entregues para qualquer um, a devastação na residência onde tivera e criara os filhos, onde amara com respeito a esposa Rosa, onde desejara Cacilda, a boca seca e a mão ansiosa por tocar as carnes duras da mulata. Que tudo fosse para o inferno, a vida era assim mesmo, construir as coisas para depois abrir mão, juntar para depois distribuir, apegar-se para depois perceber a falta de importância.

Ali, na parte traseira da pickup, o pai observou o movimento das ruas, o caminho que fazia, despedindo-se do prédio já distante do campo visual, um derradeiro olhar ao bairro onde morara por tantos anos. No asilo, acompanhou a retirada da mesa da caminhonete e, satisfeito, viu que a colocavam no terreno baldio ao lado do estacionamento, da janela do seu quarto podendo ver a mesa, vigiar a ação de gatunos, acompanhar a ação do tempo. No dia seguinte, decidiu, iniciaria a construção de uma pequena edícula para proteger o móvel, e convidaria os amigos do asilo para um chá no final da tarde. Reuniria os netos à volta da mesa quando das visitas dominicais, contaria para as crianças da habilidade do artesão e do cheiro do verniz importado, alisaria a madeira com carinho.

Deitou-se na nova cama e observou o novo quarto. Inseguro, voltou à janela e olhou mais uma vez para a mesa, solene a reinar no espaço vazio do terreno baldio. Recordou o momento em que salvara a peça do desastre e do abandono e sentiu o corpo formigando à lembrança da antiga empregada, a pele morena, a delicadeza ao perguntar se ele desejava mais alguma coisa, um pouco mais de água no copo, a carne mais cozida, mais feijão no prato, tempero na salada. Orgulhoso de si mesmo, adormeceu, sussurrando baixinho o nome de Cacilda...



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