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La insignia
5 de maio de 2004


O peso da semente


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, maio de 2005.


A vegetação terrestre atual é dominada pelas plantas produtoras de sementes: as gimnospermas e, principalmente, as angiospermas. As primeiras produzem sementes nuas, como é o caso do pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia), enquanto as últimas produzem sementes dentro de frutos. Os frutos das angiospermas variam bastante de uma espécie para outra, seja em tamanho, forma, cor ou textura. Apesar disso, todos cumprem um papel duplamente vital: proteção e transporte de sementes. Quer dizer, ao mesmo tempo em que serve de embrulho e proteção, o fruto funciona como veículo de transporte. Essa natureza ambivalente é particularmente notória no caso de frutos zoocóricos (transportados por animais), que tendem a ser pesados, carnosos, globosos e de cores vistosas (avermelhados, por exemplo); em contraste com frutos anemocóricos (levados pelo vento), que tendem a ser leves, secos, aerodinâmicos e de cores neutras (como o cinza) [1].

Entre as angiospermas que freqüentemente se propagam de modo vegetativo (e.g., gramíneas), a produção de sementes pode ser uma via reprodutiva meramente suplementar; para as outras, no entanto, a produção de sementes representa a principal ou mesmo a única via reprodutiva. Não é de estranhar, portanto, que a biologia de sementes seja um campo de pesquisa tão importante na botânica contemporânea [2], com destaque talvez para as investigações que envolvem a germinação. Esses estudos quase sempre são conduzidos dentro de microcosmos simplificados (e.g., estufas ou casas-de-vegetação), tendo por objetivo identificar as circunstâncias ambientais (temperatura, insolação, disponibilidade de água etc.) sob as quais as sementes de determinada espécie conseguem germinar. As repercussões econômicas desse tipo de pesquisa são relativamente óbvias e diretas, principalmente quando envolvem plantas cultivadas. E é isso o que em parte explica porque a literatura sobre o comportamento de sementes em laboratório é tão ampla e numerosa. Em contrapartida, porém, pouco sabemos sobre a biologia de sementes em hábitats naturais, principalmente nos trópicos [3].

Em termos biológicos, as sementes que uma árvore armazena em seus frutos equivalem aos ovos que uma ave deposita no ninho. É verdade que árvores em frutificação não passam por certos dilemas que as aves enfrentam na estação reprodutiva (e.g., permanecer no ninho, protegendo os filhotes, ou abandoná-lo temporariamente em busca de comida), mas há problemas e conflitos que são comuns a ambos - e.g., conflito de gerações e disputas fraticidas [4]. O pano de fundo de toda essa situação talvez possa ser resumido por uma pergunta aparentemente simples: o que fazer com os recursos disponíveis para investimentos reprodutivos? Em outras palavras, como alocar os recursos disponíveis de modo a maximizar as chances de estar representado na próxima geração por um ou mais descendentes?

A princípio, há um leque de possibilidades. Por um lado, as mães (árvores, aves etc.) podem gerar uma grande quantidade de descendentes, alocando poucos recursos em cada um deles; por outro, elas podem gerar um número reduzido de descendentes, dotando cada um de estoque maior de recursos. No caso das angiospermas, a questão poderia ser colocada nos seguintes termos: dada uma certa quantidade de biomassa, a árvore-mãe deveria empregá-la para produzir muitas sementes pequenas ou poucas sementes grandes? Em números: dado o equivalente a um quilo de biomassa, a árvore-mãe deveria converter tudo isso em 10 mil sementes de 0,1 g cada, em 100 sementes de 10 g ou, quem sabe, em uma única supersemente de 1 kg?

Como não é possível maximizar quantidade (número de sementes) e qualidade (peso das sementes) dos descendentes ao mesmo tempo, devemos esperar que algum tipo de meio-termo evolua, de acordo com as circunstâncias [5]. Temos aqui, na verdade, uma regra biológica universal: quantidade e qualidade tendem a variar de modo inversamente proporcional - quando um aumenta, o outro diminui, e vice-versa. Nossa própria espécie enfrenta esse dilema em inúmeras questões cotidianas, ainda que alguns políticos e ideólogos costumem dar a impressão de que não há limites e de que tudo seja possível. Um exemplo terrivelmente comum tem a ver com o tamanho das famílias humanas: à medida que o número de filhos de um casal aumenta, os cuidados dispensados a cada um deles individualmente tendem a diminuir [6].


Níveis de variação

Variação no tamanho de frutos e sementes é um fenômeno facilmente documentado. Basta pensar em alguns frutos familiares, como melancias, laranjas e abacates. Melancias são grandes e pesadas, mas carregam numerosas sementes relativamente pequenas; laranjas são menores, mas transportam sementes de tamanho equivalente; já os abacates são de tamanho intermediário, mas carregam uma única supersemente. Entre as angiospermas, o espectro de variação no peso das sementes se estende por mais de 10 ordens de magnitude: indo desde as minúsculas sementes de algumas espécies de orquídeas, cujo peso está na ordem do milionésimo de grama (0,000001 g), até as gigantescas sementes de algumas palmeiras, cujo peso supera duas dezenas de quilos (20.000 g) [7]. Quando comparamos sementes de espécies diferentes, as diferenças de tamanho costumam ser óbvias, mas qual seria o resultado se as comparações fossem feitas dentro de uma mesma espécie?

Até pouco tempo atrás, o tamanho das sementes era tido como um parâmetro específico pouco ou nada variável. Quer dizer, o peso das sementes seria uma grandeza mais ou menos fixa para cada espécie. Dependendo das circunstâncias, a árvore-mãe poderia então ajustar o número de sementes em seus frutos, já que o tamanho de cada uma delas estaria sob controle bem mais rigoroso. Hoje, sabemos que não é bem assim. Nas últimas décadas, diversos estudos documentaram a existência de variação intraespecífica no peso das sementes, em todos os níveis: diferenças entre populações, diferenças entre plantas individuais de uma mesma população, diferenças entre frutos de uma mesma planta e, por fim, diferenças entre sementes de um mesmo fruto [8]. Além disso, há também um componente temporal de variação - e.g., o peso das sementes pode variar dentro de uma população, em anos diferentes. (Na próxima vez que for a uma mercearia ou a um supermercado, o leitor pode fazer um teste: verifique os sacos de feijão e observe se o tamanho das sementes varia apenas entre tipos diferentes de feijão ou também dentro de cada tipo.)

Mas qual seria, então, o significado de toda essa variação intraespecífica? Primeiro, é preciso notar que sementes pequenas carregam um embrião pequeno e uma pequena quantidade de material de reserva, enquanto sementes grandes carregam embriões maiores e uma quantidade maior de reservas. Essas diferenças de tamanho podem ter duas consequências biológicas importantes: (i) afetar o intervalo de tempo durante o qual as sementes permanecem viáveis no solo (e.g., sementes maiores poderiam permanecer enterradas por mais tempo, aguardando o momento "certo" para romper a dormência); e (ii) após a germinação, influenciar o tamanho e o vigor de crescimento das plântulas. Esta última influência pode se estender por um período relativamente longo na vida dos descendentes e caracterizaria um tipo de "efeito materno" [9].

De um jeito ou de outro, a variação intraespecífica no tamanho das sementes poderia representar uma resposta evolutiva às incertezas que cercam o estabelecimento das plântulas [10] - seria assim um modo da árvore-mãe espalhar seus riscos de perda. Essas incertezas são geradas tanto pela heterogeneidade física do hábitat (e.g., os sítios seguros para germinação são relativamente raros e estão sempre mudando de endereço) como também pela atuação de inimigos naturais. E o que não faltam aqui são inimigos naturais; afinal, sementes são uma fonte concentrada de recursos valiosos, de tal forma e a tal ponto que muitos consumidores animais passam a vida inteira se alimentando exclusivamente delas - alguns até mesmo dentro delas, como o popular caruncho do feijão!


Notas

(*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003).

1. A imensa maioria das espécies vegetais é de plantas com flores: de um total de 250 mil espécies de plantas conhecidas, cerca de 220 mil são angiospermas. Para uma introdução geral ao estudo da morfologia de frutos e sementes, ver Barroso, G. M.; Morim, M. P.; Peixoto, A. L. & Ichaso, C. L. F. 1996. Frutos e sementes. Viçosa, Editora da UFV; para uma discussão sobre implicações ecológicas e evolutivas do tipo de fruto (carnoso ou seco), ver Smith, J. F. 2001. High species diversity in fleshy-fruited tropical understory plants. American Naturalist 157: 646-653.
2. Isso para não ter de mencionar que, em escala planetária, a alimentação humana está fundamentada no consumo direto ou indireto de grãos (sementes de leguminosas e gramíneas, em especial), com destaque para o arroz, feijão, milho, soja e trigo. Sobre a alimentação humana, ver Heiser, C. B., Jr. 1977. Sementes para a civilização. SP, Companhia Editora Nacional/Edusp.
3. Estou me referindo aqui principalmente ao desconhecimento sobre o que ocorre com as sementes após a dispersão. Sobre a história natural de sementes, ver Janzen, D. H. 1980. Ecologia vegetal nos trópicos. SP, EPU & Edusp; para detalhes técnicos, ver Harper, J. L. 1977. Population biology of plants. London, Academic; Vasquez-Yanes, C. & Orozco-Segovia, A. 1993. Patterns of seed longevity and germination in the tropical rainforest. Annual Review of Ecology and Systematics 24: 69-87; e Chambers, J. C. & MacMahon, J. A. 1994. A day in the life of a seed: movements and fates of seeds and their implications for natural and managed systems. Annual Review of Ecology and Systematics 25: 263-292. Sobre o estudo da germinação, ver Ferreira, A. G. & Borghetti, F., orgs. 2004. Germinação: do básico ao aplicado. Porto Alegre, Artmed.
4. Um exemplo de problema comum é a discussão sobre o "tamanho da ninhada", embora a literatura a respeito seja amplamente dominada por estudos zoológicos. Para um ponto de vista botânico, ver Uma Shaanker, R.; Ganesbaiah, K. N. & Bawa, K. S. 1988. Parent-offspring conflict, sibling rivalry, and brood size in plants. Annual Review of Ecology and Systematics 19: 177-205.
5. Para detalhes técnicos, ver Smith, C. C. & Fretwell, S. D. 1974. The optimal balance between size and number of offspring. American Naturalist 108: 499-506.
6. Talvez pudéssemos estender esse raciocínio um pouco mais: um aumento no tamanho da prole tende a reduzir os cuidados dispensados a cada um dos descendentes, o que, por sua vez, parece implicar em uma certa diluição da individualidade. Na nossa cultura, o contrário também é verdadeiro: o filho único tende a ser superprotegido, muitas vezes recebendo cuidados e mimos em excesso.
7. Ver Harper, J.; Lovell, P. H. & Moore, K. G. 1970. The shapes and sizes of seeds. Annual Review of Ecology and Systematics 1: 327-356; sobre a filogenia do tamanho da semente, ver Moles, A. T.; Ackerly, D. D.; Webb, C. O.; Tweddle, J. C.; Dickie, J. B. & Westoby, M. 2005. A brief history of seed size. Science 307: 576-580.
8. Para uma breve revisão bibliográfica, ver Sakai, S. & Sakai, A. 1995. Flower size-dependent variation in seed size: theory and a test. American Naturalist 145: 918-934.
9. Ver Howe, H. F. & Richter, W. M. 1982. Effects of seed size on seedling size in Virola surinamensis; a within and between tree analysis. Oecologia 53: 347-351; e Mazer, S. J. 1987. Parental effects on seed development and seed yield in Raphanus raphanistrum: implications for natural and sexual selection. Evolution 41: 355-371.
10. Real, L. R. 1980. Fitness, uncertainty, and the role of diversification in evolution and behavior. American Naturalist 115: 623-638.



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