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La insignia
29 de janeiro de 2005


2001: O filme feito no futuro


Nei Duclós
La Insignia. Brasil, janeiro de 2005.


Todos os futuros são datados (os dos anos 40 e 50 são de rolar de rir), menos o de 2001, Uma odisséia no espaço, a obra-prima de Stanley Kubrick. Assim como não faz parte daqueles futuros imaginários que ficam obsoletos e revelam mais a época em que foram feitos do que qualquer outra coisa, 2001 é um filme que pertence ao futuro real, ao qual chegaremos um dia de fato, mas que ainda está longe de acontecer. Visto assim de maneira tão radical, posso afirmar que 2001, por estar fixo à nossa espera, não deve ter sido feito em 1969, como contam. Ele ainda está por acontecer como obra. Trata-se da única prova viva de que o Tempo existe como percepção e jamais como barreira. Kubrick vislumbrou sua saga no momento em que evadiu-se da sua época e decidiu visitar o Mistério. É por isso que o filme encerra tantos enigmas, porque eles se apresentam primeiro para o diretor que não consegue decifrar a todos, para só depois assombrarem os espectadores, que podem enlouquecer de tanto ver.


Respiração

Na varanda, agora mais refrescante depois de alguns ventos e chuvinhas esparsas, converso com daniduc, o dude, que nos deu a honra de uma visita para matar as saudades. Ele relembra os minutos iniciais do filme, de tela escura; e, depois, da explosão na cabine da nave, uma cena completamente sem som. Relembro a longa seqüência que tem como acompanhamento sonoro apenas a respiração do astronauta. Nunca o superespetáculo será tão radical. Kubrick antecipou-se, criando o paradigma da estética da humanidade integrada ao espaço: lentidão, vestes brancas, objetos flutuantes em infinitos espaços vazios. Ele chegou a contratar alguém para fazer a trilha sonora antes de colocar o Danúbio Azul na memorável cena da chegada do especialista na estação orbital. A assepsia visual, a imposição inexorável de imagens definitivas no imaginário humano, além do grande impacto do lendário teodolito como um mensageiro de inteligências superiores, fazem parte do acervo desse futuro que nos aguarda. Quando enfim decolarmos da Terra, viveremos em Kubrick, que descobriu nesse corte umbilical o nascimento de uma nova humanidade, voltada para as estrelas. Para realizar seu feito, resgatou o salto dado desde o osso empunhado como arma até o vôo interplanetário, o corte mais profundo da história de todo o cinema. Aquele osso na mão do hominídio transforma o gesto em ação criadora sem limites. Como poderia Kubrick ter chegado a tanto se estivesse preso naquela época limitada, que virou cult por comparação com o que veio depois (o apocalipse cultural)?


Viagem

Se o teodolito foi uma imposição difícil de engolir nas primeiras sessões em que nos dedicamos ao filme, imaginem aquele final lisérgico, em que ultrapassamos Júpiter e entramos na grandeza real do universo. Aquela viagem de ácido até os confins até hoje nos atinge como uma insuportável bad trip. Tudo acaba numa cena tradicional, que dói de tão branca, em que o astronauta, transformado num matusalém, tenta ver onde se encontra e vê apenas a si mesmo (destaque no cenário branco) viajando pelo corpo em decadência até o impossível, até o renascimento. Para chegar até esse supremo desamparo, ele precisou lutar contra a máquina inteligente (pesadelo dos atuais filmes hollywoodianos), desmontá-la, emudecê-la, subjugá-la, vencê-la. Não é o delírio da robótica como o de Spielgerg em Inteligência Artificial, ou o do também conservador Ridley Scott em Blade Runner, em que o não-humano vence. Essa é a maldição de 2001: por saber exatamente a força e a dimensão do que se opõe ao humano, é nele que se deposita todo o filme. O grande vazio que cercam objetos, pessoas e ações não significa apenas a ausência de matéria. É para destacar que o humano é o centro dessa trama. É a pessoa que preenche todos os espaços e tudo mais é supérfluo, o resto são os instrumentos da ação poderosa da humanidade consciente.


Ver

Para saber, é preciso ver o que não foi ainda codificado. Codificar não é saber, essa já é uma fase posterior ao saber. O conhecimento é esse impacto inicial em que não há nenhuma referência, em que você está nu diante do cosmo. Nesse instante, você sabe. Depois, arquiva, você já está sabendo. Em Kubrick, saber não é compreender, é enxergar. O que você vê é o que você conhece. E o que você vê realmente (ou deve ver) é o que está à parte do que te cerca. Por isso você cruza o sistema solar em busca de uma resposta. E quando parece encontrar alguma coisa, ela não faz sentido. Você estende a mão e o segredo se revela na sua gigantesca indecifração. Porque você é a chave, é em você que o mundo se desfaz para recomeçar no instante seguinte, que é agora. Nada existe fora de você. Por isso Kubrick acerta, por não trair esse passo fundamental que é o humano, seja em que tempo for. Ele apostou certo e sua obra então desprendeu-se dos seus dedos como um osso ancestral que vira uma nave sem governo. Kubrick descobriu a dobra do tempo, e do futuro nos observa, com seu olhar vazado por todas as rotas errantes da poeira estelar.



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