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La insignia
5 de dezembro de 2005


VI Conferencia Ministerial de la OMC

Abaixo o dogma


Maria Eduarda Mattar
Rits. Brasil, dezembro de 2005.


Adriano Campolina é diretor regional da ActionAid Américas e chefia o Grupo de Trabalho de Agricultura da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Mas sua atenção aos temas relacionados à Organização Mundial do Comércio (OMC) vem no mínimo desde sua atuação como diretor de campanhas e políticas públicas da ActionAid Brasil. E fala do tema com paixão. "Basicamente a sociedade civil se deu conta de que dez anos já geraram desastre suficiente", diz, referindo-se ao aniversário de uma década da instituição e às manifestações que ocorrerão na Conferência Ministerial da OMC que ocorrerá em Hong Kong, de 13 a 18 de dezembro.

Tendo comparecido às reuniões da OMC de Doha, em 2001, e de Cancun, em 2003, Campolina conhece de perto os temas quentes e as negociações frias que cercam estes eventos. Segundo ele, os assuntos em foco em Hong Kong serão a liberalização dos serviços e o acesso a mercados não-agrícolas - ambos desejados pelos países desenvolvidos -, além de agricultura, tema polêmico e com demandas tanto das nações ricas quanto das pobres. Ele embarca para acompanhar o evento no dia 10, levando na bagagem uma certeza: "É preciso resistir e fazer com que o dogma do livre comércio a qualquer custo não continue imperando".


Rets - Na semana passada, em 29 de novembro, os países menos desenvolvidos ganharam uma extensão no prazo para a implantação da regras do acordo Trips. Como o senhor avalia isso?

Adriano Campolina - O Trips estabelece prazos diferenciados para a sua implementação. Os países desenvolvidos já implementaram as regras do Trips. Os países em desenvolvimento também, em sua maioria.

Quanto aos países menos desenvolvidos terem recebido prazo maior, isso é insuficiente. Apenas adia uma medida draconiana, que atende aos interesses da indústria farmacêutica. O ideal seria não que os países menos desenvolvidos tivessem mais tempo para implementar as medidas, mas sim que simplesmente não tivessem que implementar as medidas. Ou seja, esse fato não resolve o problema estrutural, que seria acabar com a primazia do lucro das companhias farmacêuticas sobre os interesses da população.

Rets - No caso de remédios, o prazo é mais extenso e ainda existe a possibilidade de quebra de patentes, mas só para determinadas doenças. O senhor acha que isso será uma tendência mundial, com outros remédios também tendo suas patentes quebradas?

Adriano Campolina - Isso é uma batalha que os países em desenvolvimento e a sociedade civil organizada têm que travar, que é flexibilizar as regras do Trips para que haja uma primazia da saúde pública sobre as patentes. E isso vai depender da relação de forças que se conseguir administrar. As indústrias farmacêuticas têm um lobby poderoso. E, se as outras partes bobearem, elas impedem a quebra de patentes sempre que puderem.

O texto atual [do acordo sobre Trips e saúde, celebrado no encontro de Doha, que permite a quebra de patentes de medicamentos para aids, tuberculose e malária, em caso de emergência de saúde pública] é um passo interessante, mas apenas um primeiro passo. Precisa-se de muito mais, e travamos uma batalha constante.

O Brasil, por exemplo, ameaçou quebrar a patente de um dos medicamentos para aids [o Kaletra] e, mesmo assim, acabou não quebrando. Fez isso com base no acordo de Doha, mas já poderia fazer mesmo sem esse argumento, pois sua legislação interna permitia. Então a quebra de patentes é fundamental para acabar com um direito monopólico, que coloca a saúde pública em segundo plano.

Rets - Ainda com relação ao Trips, ele é um acordo já assinado. Portanto os países já se comprometeram com aquelas regras. Daqui pra frente, há alguma coisa - legalmente falando - que os países possam fazer para tentar voltar atrás em alguns dos pontos ali acordados?

Adriano Campolina - Na OMC, os países podem fazer retaliação comercial com algum outro país que não cumpra os acordos. O Trips foi acordado antes do encontro de Doha, lá atrás, em 1995, quando foi criada a OMC. Depois a Rodada de Doha foi quando se reconheceu, de certa forma, a primazia da saúde pública sobre as patentes. A quebra de patentes é fundamental e está permitida para alguns casos, como já sabemos. Então os países podem se sentir no direito de fazer. Porém, mais do que se sentirem à vontade para isso, os países têm que fazer uma reformulação de suas próprias leis, para que estas prevejam a quebra de patentes nos casos necessários.

Rets - Os países em desenvolvimento têm formado grupos para terem mais força nas negociações dentro da OMC. O senhor acha que esse é o caminho para terem mais voz nos debates?

Adriano Campolina - Certamente. A experiência de Cancún [a Reunião Ministerial da OMC em Cancún, ocorrida em setembro de 2003, quando os países em desenvolvimento formaram o G20, para terem mais peso nas negociações] demonstrou isso. A atuação em grupo amplia a capacidade de influência dos países no resultado final. Conseguem ao menos impedir resultados negativos para si. É aquela velha lógica de se fortalecer para enfrentar os poderosos, que são os Estados Unidos e a Inglaterra.

Porém mais importante do que isso é a necessidade de pensar: estar em grupo para quê? Para defender a minoria exportadora ou se é para defender os interesses da maioria da população? É isto que está em debate no G20 atualmente. Nesse grupo há a influência dos interesses do agronegócio, como é o caso dos pontos defendidos pelo Brasil. Ao mesmo tempo, há a atuação da Índia, que defende um tratamento diferenciado para as agriculturas regionais e familiares. O G20 será tanto mais importante quanto mais seus interesses se alinharem com os interesses que gerem diminuição das desigualdades e da pobreza.

Rets - Organizações da sociedade civil criticam o fato de a OMC tratar de muitos assuntos que vão além do comércio. No Trips, isso aparece claramente na questão dos remédios. Os produtos culturais também podem sofrer - ou já sofrem - esse "perigo" de ter regras puramente comerciais a regê-los? Ou seja, a diversidade cultural pode ser ameaçada na OMC?

Adriano Campolina - Absolutamente. A OMC existe para liberalizar o comércio. Infelizmente é para isso. Como não creio que o livre-comércio seja a resposta para nenhuma necessidade humana, a agenda tem que ser a da resistência. Os países menos desenvolvidos e os países em desenvolvimento têm de resistir aos mais poderosos, que querem que tudo seja liberalizado - saúde, serviços, indústria, setor agrícola. E a liberalização dos setores que têm a ver com propriedade intelectual só serve para reforçar o monopólio sobre o conhecimento. Devemos dizer não à mercantilização do conhecimento.

Rets - Quais serão os pontos-chave do encontro de Hong Kong?

Adriano Campolina - São três os temas-chave em Hong Kong. O primeiro é a Agricultura, que não ficou resolvido desde a Rodada do Uruguai [dez anos atrás, depois da qual foi criada a OMC]. Esse tema envolve três subtemas: eliminação do dumping; acesso a mercados e desenvolvimento da agricultura familiar. O segundo tema é Serviços. Há esforços dos países desenvolvidos para liberalização de serviços como educação, saneamento, água tratada. Ou seja, aqueles tradicionalmente operados pelo Estado. Se isso ocorrer, gera-se um risco de privatização ainda maior desses serviços.

E o terceiro grande tema é o Acesso a Mercados Não-Agrícolas, que inclui a diminuição de tarifas industriais, normalmente utilizadas. O Brasil faz isso, por exemplo, para proteger os mercados internos dos países. Se isso acontecer, os produtos externos têm menos barreiras para serem importados, o que prejudica a indústria nacional, podendo levar ao fechamento de fábricas e à conseqüente demissão de pessoas. Ou seja, com a enxurrada dos produtos manufaturados estrangeiros, podemos ter a falência da indústria nacional. Estes são os três temas que estão mobilizando mais.

Rets - E como a sociedade civil está se mobilizando?

Adriano Campolina - Para Hong Kong, está sendo programado um conjunto de marchas sob a consigna "Chega de OMC". Basicamente, a sociedade civil se deu conta de que dez anos já geraram desastre suficiente. É preciso resistir e fazer com que o dogma do livre comércio a qualquer custo não continue imperando e defender os direitos de os países implantarem ações de promoção do desenvolvimento social e da diminuição das desigualdades e da pobreza.

No Brasil, as organizações estão trabalhando não só tendo em vista a reunião da OMC, de modo geral, mas também junto ao governo brasileiro, para que este não chegue ao encontro de Hong Kong só com a visão, o discurso e a defesa do agronegócio. O Brasil tem de defender os interesses do conjunto da população, que inclui os agricultores familiares, trabalhadores da indústria, pessoas com doenças crônicas etc. Ou seja, é importante que o Brasil não troque o acesso a mercados por medidas que dificultem a vida da maioria da população.

No Brasil, atuamos com cerca de três linhas: primeiro fazemos investigação prévia, publicamos relatórios, pesquisas, recomendações etc. Segundo, fazemos mobilização social junto a parceiros. E, finalmente, durante a conferência, acompanhamos o dia-a-dia e tentamos influenciar os pontos defendidos nas negociações. Como fazemos isso? Depende da conjuntura do evento, das delegações etc. Mas o principal espaço de influência é antes do evento em si, quando nos reunimos com os governos em cada país.

Rets - Em relação ao relacionamento do Brasil com a organização, o que o senhor destacaria como pontos forte e fraco?

Adriano Campolina - O ponto forte é o Brasil, desde a reunião de Cancún, ter incorporado a defesa da agricultura familiar e do desenvolvimento rural ao atuar junto com o G20. O ponto fraco é na hora da barganha política das negociações. Existe a preocupação de que o país deixe que o agronegócio imponha uma visão que leve a concessões nas áreas-chave em troca de acesso a mercados para os produtos agrícolas.

Rets - Em termos gerais, depois de dez anos de atuação, o senhor acha que a OMC vem perdendo legitimidade ou tem fôlego ainda para embates complicados e falta de consenso?

Adriano Campolina - A OMC já vem perdendo gradativamente sua legitimidade. Ela é um instrumento do livre comércio. De fato, quem vem perdendo força e legitimidade é o próprio livre comércio, que acarreta a dominação dos países ricos sobre os mais pobres, a primazia dos interesses comerciais sobre os demais aspectos da sociedade etc. E, ao longo dos últimos anos, vimos que, seguindo esse dogma, o livre comércio não consegue reduzir as desigualdades e a pobreza. E se a OMC existe pra implementar o livre comércio, para ser um instrumento dessa implementação, ela também perde força e legitimidade.



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