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La insignia
17 de novembro del 2004


Biohistórias (II)


Carlos Eduardo Martins
La Insignia. Brasil, novembro de 2004.


Em 1939 o químico suíço Paul Herman Müller descobriu as propriedades inseticidas do DDT (diclorodifeniltricloretano), descoberta essa que lhe valeria o Prêmio Nobel de Medicina de 1948.

O DDT foi o primeiro, e mais importante, de uma nova família de inseticidas, ditos "orgânicos", feitos a base de derivados de carbono, que agem bloqueando os processos metabólicos vitais das espécies afetadas. O DDT pertence ao grupo dos compostos organoclorados, ou seja, baseados numa combinação de carbono e cloro; outro grupo de inseticidas orgânicos é baseado na combinação de carbono e fósforo.

Em grande parte, o desenvolvimento de novos inseticidas foi estimulado pela Segunda Guerra Mundial. De um lado, como subprodutos de pesquisas de armas químicas e biológicas, mesmo porque insetos eram freqüentemente usados para testar a toxicidade das novas substâncias. De outro, e principalmente em função da guerra no Pacífico e no Sul da Ásia, pela necessidade de combater os insetos que servem de vetores para doenças tropicais como a malária: na campanha da então Birmânia, as tropas inglesas sofreram mais baixas por malária do que por fogo inimigo.

Desde os anos 40, o DDT passou a ser usado em larga escala, em alguns casos com efeitos imediatos extremamente benéficos - por exemplo, no combate ao mosquito transmissor da já citada malária: em algumas regiões, o uso do DDT fez a incidência de novos casos cair em mais de 90%. No Brasil, por volta de 1960, a malária, embora continuasse sendo endêmica na Amazônia, estava controlada.

Não erradicada; como a ciência médica e as organizações da área descobririam fartamente não muito tempo depois, é impossível erradicar uma moléstia (ou impedir a emergência de novas doenças) de natureza infecto-contagiosa, endêmica em áreas de pobreza ou miserabilidade, sem que se promova uma profunda mudança nas condições ambientais que a sustentam, aí incluída a ecologia social. Mudança essa que, muitas vezes, por sua vez não raro acarreta novas oportunidades para que tais doenças ressurjam e se disseminem. Mas o fato é que, naquele momento, a incidência de novos casos de malária no Brasil e em outros países, mesmo nas regiões em que era endêmica, havia sido reduzida a patamares extremamente baixos e era estável quando não decrescente.

Não por muito tempo.

Como inseticida, o DDT tem uma característica que o torna particularmente eficaz: é o que se chama um agente "de largo espectro", atua sobre várias espécies de insetos. No Brasil, o Detefon, a base de DDT, tinha como "slogan" "Detefon é que mata mosca e mosquito, pulga e barata". E matava mesmo.

Por isso mesmo, além do combate a pragas domésticas e a doenças, o DDT - o mesmo vale para outros inseticidas orgânicos - passou a ser usado como defensivo agrícola. Intensamente - em grandes quantidades. E extensamente - em grandes áreas. Por ser solúvel em óleo, o DDT é de fácil aplicação, desde o borrifamento direto - muitos talvez se lembrem das imagens de pessoas com tambores nas costas, borrifando plantações com inseticidas - até a nebulização, nuvens de inseticida que são despejadas de aviões - sendo que por esse método às vezes o vento mudava, e o inseticida acabava caindo em outro lugar que não o visado.

Com o passar do tempo, porém, começaram a surgir e a se acumular primeiro indícios depois claras evidências de efeitos lesivos do uso maciço do DDT sobre outras espécies, sobre o equilíbrio ecológico e finalmente sobre a saúde humana.

Por exemplo: por ser de largo espectro, o DDT não matava somente os insetos nocivos, mas também os insetos "benéficos", como os que destroem ervas daninhas. O que obviamente abriu espaço para o desenvolvimento e comercialização, pelas mesmas indústrias que produziam os inseticidas orgânicos, de novas formulações de herbicidas, aumentando as concentrações de substâncias tóxicas nas lavouras e, através do pasto, da forragem e das rações, nos rebanhos. Além disso, diminuindo drasticamente a população de insetos diminuíam também os vetores de polinização, o que prejudicava o desenvolvimento de outras espécies vegetais que dependem de polinização, inclusive espécies alimentar ou economicamente importantes. E diminuía também a alimentação das aves insetívoras - e, independentemente de passarinho ser bonitinho de ver e de ouvir, as aves também são um vetor importante na reprodução vegetal, principalmente de espécies florestais como carvalhos.

E rapidamente começou a haver a contaminação por DDT de rios e lençóis d' água. O DDT não é solúvel em água, donde resíduos de DDT eram levados, pelas chuvas ou por irrigação, para rios e para lençóis subterrâneos, em quantidades crescentes, e daí se espalhavam por até centenas ou milhares de quilômetros, devastando a fauna fluvial e lacustre como nas várias mortandades de peixes observadas na década de 50, principalmente nos Estados Unidos onde o uso desenfreado de inseticidas havia se dissseminado - e afetando até mesmo suprimentos de água potável. Conseqüentemente, pessoas vivendo muito longe das áreas tratadas com DDT estavam bebendo inseticida em concentrações cada vez maiores.

Os efeitos foram mais além. Exatamente por ter uma grande afinidade com substâncias graxas, o DDT se transmite, pelas gorduras, através da cadeia alimentar - às vezes, de forma exponencializada. Por exemplo: se um rebanho leiteiro for alimentado com forragem em que haja resíduos de DDT da ordem de 7 a 8 partes por milhão, no leite desse gado a concentração terá caído para menos da metade, aí umas 3 partes por milhão; mas na manteiga produzida com esse leite terá subido, devido ao alto teor de gordura, para 60 a 70 partes por milhão - quase dez vezes a concentração original. Como se não bastasse, foi constatado que a contaminação por DDT passava de mãe para filho, através do leite materno; as criancinhas, ao serem amamentadas, já ingeriam DDT.

Mas, por mais que as evidências se acumulassem, tanto a indústria quanto as autoridades sanitárias e a "comunidade científica" insistiam em ignorá-las. Até que, em 1962, foi publicado nos Estados Unidos um livro, Silent Spring, "Primavera Silenciosa", escrito por uma bióloga, Rachel Carson. No livro, além de citar centenas de casos, todos fartamente documentados, a Dra. Carson explicava tintim-por-tintim o processo de contaminação e transmissão. E apontava outros efeitos como o esgotamento de solos saturados de DDT pela extinção da microfauna, a qual é fundamental para a produção de nutrientes que mantêm a terra fértil.

Nos Estados Unidos Silent Spring teve um grande impacto sobre a opinião pública, e é considerado o deflagrador do que viria a ser chamado de "consciência" e "movimento" ambientalistas. E foi alvo de uma imediata e violenta campanha negativa. Não apenas pelo interessados diretos em o desacreditar, como os fabricantes, distribuidores e usuários desses inseticidas e setores associados como a indústria alimentícia, mas também por boa parte da "grande imprensa" (a revista Time alegou que o livro usava "linguagem inflamatória") e pela maioria das instituições ditas científicas. A tal ponto que a American Medical Association, a Associação Médica dos Estados Unidos, divulgou um relatório oficial destinado a "tranqüilizar" o público, afirmando categoricamente que - a despeito da evidência apresentada em Silent Spring bem como por médicos, serviços de saúde e biólogos - não havia qualquer "evidência científica" de que o DDT e similares oferecessem o menor risco que fosse à saúde humana. Um biólogo de grande renome acadêmico, Robert White Stevens, da Rutgers University, alegou que o raciocínio da Dra. Carson pecava pela base, pois ela afirmava que o equilíbrio natural era essencial para a sobrevivência da humanidade, quando - literalmente - "o cientista moderno sabe que o homem está inexoravelmente controlando a natureza".

A pessoa de Rachel Carson foi igualmente alvo das mais pesadas acusações. O mínimo que foi dito, diante da impossibilidade de se negar seu histórico acadêmico, é que não estaria qualificada para conduzir investigações, e chegar a resultados, tão abrangentes quanto havia feito - em linguagem mais simples, que teria "dado um passo maior que as pernas", de novo desconsiderando a base estritamente factual do livro. Além disso, foi tachada entre outros epítetos de "alarmista", "anti-business", "anti-American" e, num óbvio deslize sexista, "histérica".

Rachel Carson morreu em 1964. Em 2000, Silent Spring (partes do qual haviam sido publicados na revista The New Yorker) foi eleito pela New York School of Journalism como o segundo melhor trabalho de jornalismo publicado nos Estados Unidos no século 20.

E até 1972 - dez anos depois da publicação de Silent Spring - o mesmo Robert White Stevens ainda defendia ferrenha e publicamente que inseticidas orgânicos podiam ser usados à vontade, porque, de novo "cientificamente", eram absolutamente inofensivos para o meio ambiente e para a saúde humana. E o DDT e congêneres continuam a ser usados até hoje. Não nos Estados Unidos onde foram banidos. Mas empresas estadunidenses ainda fabricam DDT e o exportam para países do chamado Terceiro Mundo - e assim também fazem, nesses países, subsidiárias locais de empresas sediadas nos EUA.

Mas o uso indiscriminado de inseticidas teve outras conseqüências, para as quais Rachel Carson já alertara.

De um lado, pela já mencionada ruptura do complexo - e dinâmico - equilíbrio que regula a coexistência e as populações de organismos em um dado ambiente.

A começar pelo equilíbrio entre diferentes espécies de insetos. A vulnerabilidade a inseticidas, mesmo os de largo espectro, pode variar enormemente entre tais espécies. Com isso, não raro os usuários de inseticidas se viram trocando uma praga por outra ainda mais devastadora, mais resistente aos inseticidas usados e que pôde proliferar ou por não ter mais de competir com as espécies atingidas pelo uso de inseticidas ou porque estes haviam também dizimado as espécies benéficas, que as predavam e mantinham suas populações controladas. Uma outra situação típica foi a infestação por lagartas, que de modo geral tendem a ter maior tolerância a inseticidas: mesmo que morram ao se alimentarem de vegetais saturados, tal processo é mais lento, e até que se consume podem ter ocorrido sérios danos à agricultura.

Além disso, inseticidas orgânicos têm pouco ou nenhum efeito direto sobre aracnídeos (alguns extremamente nocivos à agricultura e à pecuária, como algumas famílias de ácaros que sugam a clorofila de vegetais e os carrapatos hematófagos que infestam o gado) e sobre moluscos como lesmas, que são herbívoras, e caramujos, que podem ser transmissores de parasitas patogênicos como o Schistosoma, causador da esquistossomose. Mas podem ter graves resultados quando seus efeitos se difundem pela cadeia alimentar. Por exemplo, a diminuição das populações de aves insetívoras afeta adversamente as populações de aves de rapina que as predam e que servem também como fator de controle das populações de roedores nocivos. A outra conseqüência se mostraria ainda mais danosa. Em toda e qualquer população, alguns indivíduos sempre poderão ser naturalmente imunes a um determinado agente patogênico, devido a mínimas e no mais irrelevantes diferenças genéticas inatas ou adqüiridas. Se as variantes predominantes forem destruídas, esses indivíduos terão campo aberto para proliferarem e, por seleção natural, seus descendentes que herdarem as características vantajosas se tornarem por sua vez dominantes - mais ainda se a mudança ambiental que propiciou sua proliferação tiver também destruído, em proporções maiores, seus inimigos naturais. E quanto mais numerosa e menos complexa for uma espécie, e mais curto seu ciclo de vida, mais vasto e rápido será o processo de substituição. Menos de vinte anos após a adoção indiscriminada dos inseticidas orgânicos surgiram e se disseminaram cepas de insetos resistentes. A resposta a essa ameaça foi a busca frenética por desenvolver novos inseticidas, cada vez mais potentes. O que por sua vez acelerou o processo de surgimento e disseminação de novas cepas ainda mais resistentes. Desencadeamos uma "corrida armamentista" em que os insetos, por suas próprias características biológicas, estão e estarão sempre um passo à frente. A isso se juntou a expansão das "fronteiras" de ocupação humana, populacional e econômica, para áreas supostamente "liberadas" pela ação dos inseticidas, fornecendo novas oportunidades de infestação, e território fértil para a introdução de novas pragas e para a reintrodução daquelas que se acreditava terem sido erradicadas ou controladas. Por volta de 1980, no Brasil, o número de hospitalizações por malária beirava 200.000, e a estimativa de novas infecções variava entre 500.000 e um milhão de casos. Esses números vêm desde então aumentando exponencialmente. Em grande parte devido à crescente presença de variantes do mosquito Anopheles, vetor da doença, resistentes a todos os inseticidas já desenvolvidos. Mas também, como veremos a seguir, por um outro fator.


(*) Carlos Eduardo Alcântara Martins é economista graduado pela PUC ( RJ)- Brasil.



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