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La insignia
17 de maio de 2001


A Lei do Silêncio: história e mitos
da imigração ítalo-gaúcha


Mário Maestri


De 1875 a 1914, milhares de camponeses partiram da Itália para conquistar no Rio Grande do Sul pedaço de terra onde construir um futuro. Eles e seus descendentes localizaram-se nas colônias imperiais da Serra para, a seguir, ocuparem regiões cada vez mais ao norte, antes de cruzarem a fronteira do Estado.

A formação de dinâmica classe de camponeses pequenos proprietários, iniciada, em 1825, com a ocupação da encosta inferior da Serra, por imigrantes de língua alemã, fecundou a história sulina. A democratização da propriedade da terra ensejou acumulação que apoiou a produção artesanal, manufatureira e industrial, pondo fim ao impasse que a estagnada produção pastoril-latifundiária conhecia deste o século 19.

A colonização italiana sulina deu origem à civilização diversa das conhecidas pelo país abandonado e pela nação acolhedora. Por décadas, a Serra conheceu maravilhoso mundo novo onde todos viviam, em chão próprio, uns ao lado dos outros, do próprio trabalho.

Interpretações sobre o sucesso migratório foram produzidas por agentes sociais localizados na periferia da sociedade colonial - sacerdotes; viajantes; autoridades diplomáticas italianas e públicas brasileiras; etc. - ou por depoentes e intelectuais, eventuais ou orgânicos, da imigração - professores; memorialistas; missivistas, etc. As trocas, fusões, funcionalidades, etc. dessas explicações, nascidas nas margens e no coração do mundo colonial, apenas começam a ser analisados nos seus ricos sentidos e nexos dialéticos.

Muitas destas representações assumiram status de memória comunitária e, a seguir, reelaboradas por estudos historiográficos e divulgadas pela mídia, transformaram-se em verdades indiscutíveis. Entre as explicações dominantes dos processos conhecidos pela colonização italiana encontra-se a explicação da perda dos falares itálicos devido à repressão do Estado Novo, através da chamada Lei do Silêncio.

Era complexa a realidade lingüística dos imigrantes. Chegados do nordeste italiano, eles conheciam, em forma desigual e aproximativa, o 'italiano popular' e falavam os dialetos maternos - bergamasco, cremonês, friulano, trentino, trevisano, etc. Ao chegarem, os imigrantes ocupavam os lotes mais próximos das sedes coloniais, à direita e à esquerda das picadas, devido à facilidade de escoamento da produção. Apesar do esforço para alojarem-se perto dos paisanos, este processo contribuiu à formação de verdadeiro caleidoscópio lingüístico.

Com os anos, processaram-se fenômenos lingüísticos complexos, determinados por fatores externos e internos à sociedade colonial: influência do português, dos núcleos urbanos, de grupos sociais e lingüísticos de prestígio, etc. Em poucas décadas, nas linhas e regiões coloniais, surgiram falares que facilitavam a comunicação supra-familiar. Hegemonizados pelos dialetos dominantes e em constante transformação, foram denominados de talian - italiano - e compreendidos como forma bastarda da língua italiana - o talian gramaticale.

Nos anos 1910-20, os falares itálicos entraram em regressão, restringindo-se como meio de comunicação, primeiro nas cidades, logo nas comunidades rurais, tornando-se língua coloquial dos idosos, compreendida e praticada passivamente pelos jovens. O desuso coloquial dos falares itálicos e sua determinação sintática e lexical pelo português causaram sentimentos de perda, entre intelectuais ítalo-gaúchos, sobretudo porque materializavam a eclipse da civilização colonial, metamorfoseada pela produção-mercado capitalista em expansão.

Na Região Colonial Italiana, ainda hoje, é forte a recordação de violentos atos policiais contra colonos por falarem e cantarem em italiano; de crianças levando bilhetes para realizarem as compras familiares; do terror lingüístico conhecido pelos moradores das distantes linhas. Para essas memórias, os falares itálicos jamais teriam se recuperado dos golpes causados pela Lei do Silêncio.

Essa interpretação nunca foi confirmada ou infirmada por estudos históricos. A explicação da dominância lingüística do português e do desaparecimento dos falares itálicos devido à repressão do Estado Novo aponta causa exógena à comunidade colonial para fenômeno essencialmente endógeno a ela - suas práticas lingüísticas.

Cláudia Mara Sganzerla materializa as metamorfoses lingüísticas conhecidas pela Região Colonial Italiana. Vivendo em Serafina Corrêa, no coração da RCI, descendente de italianos, ao contrário dos avós, sua primeira língua é o português e ela possui apenas domínio passivo do talian regional. A jovem historiadora testemunha também o atual sentimento de dilaceração cultural que causa a perda desses falares. Em 1999, ao ingressar no programa de Pós-graduação em História da Universidade de Passo Fundo, propôs-se a estudar as violências estadonovistas que teriam posto fim à prática do talian em Guaporé, importante região colonial sulina.

Com profissionalismo, após construir o quadro histórico que organizava os fatos, Cláudia Mara partiu à procura da documentação estatal e policial que corroborasse suas hipóteses e as interpretações tradicionais sobre os sucessos. Como orientador de A Lei do Silêncio: Repressão e nacionalização no Estado Novo em Guaporé (1937 - 1945) [Passo Fundo: EdUPF; Porto Alegre, EST, 2001], acompanhei a abertura e honestidade intelectuais com que Cláudia Mara abandonou as hipóteses iniciais ao, surpresa, não se deparar, para a região, com o decantado rosário de repressões e violências aos falares italianos.

Após contextualizar e hierarquizar os atos policiais e institucionais do Estado Novo, enquadrando-os espacial e temporalmente, Cláudia Mara traçou paisagem histórica bastante mais nuançada, precisa e complexa, rompendo com as interpretações maniqueístas correntes sobre a política de nacionalização na região.

O contexto histórico; o breve ápice da repressão lingüística - de meados de 42 a meados de 44; o consenso conquistado pelo getulismo entre segmentos da comunidade de Guaporé; a exclusão tendencial das comunidades rurais e familiares da repressão; o desigual comportamento repressivo das autoridades, etc., foram fatos e tendências que a levaram à rejeição da explicação da crise do talian devido sobretudo à ação estadonovista.

Sem descurar as seqüelas das violências varguistas, corroborando investigações lingüísticas concluídas e em conclusão, Cláudia Mara sugere que as razões últimas da superação do talian sejam mais estruturais, encontrando-se aquém e além da Lei do Silêncio: crescente inserção da Região Colonial Italiana na economia nacional; desenvolvimento da mídia e da rede de ensino; interesse dos pais que os filhos dominassem o português, etc.

A Lei do Silêncio: Repressão e nacionalização no Estado Novo em Guaporé (1937 - 1945), de Cláudia Mara Sgarnzerla, certamente apoiará outros estudos que ampliem a área analisada e, através da objetivação crítica dos fatos analisados, contribuam à superação da ainda importante opacidade criada por visões mitológicas e ideológicas do passado sulino e brasileiro.


· Mário Maestri é professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF.
E-mail: maestri@via-rs.net.



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